Como vimos, Aristóteles nos explica o surgimento do estado a partir das organizações familiares. Tratemos agora das partes dessa estrutura familiar. As duas partes que foram exploradas mais extensamente foram a relação entre senhores e escravos e a aquisição da riqueza. Com relação à escravidão (Política, I, 3-7), duas opiniões são correntes em sua época: (i) a opinião de que as regras sobre a escravidão são as mesmas que as regras políticas, sendo, portanto, uma instância de regras normais de superiores sobre inferiores. E (ii) a opinião de que a natureza não reconhece qualquer distinção entre senhores e escravos, logo, a escravidão é fruto de uma convenção anti-natural e injusta. Diante dessas duas opiniões, Aristóteles, como é próprio de um filósofo, examina primeiramente a essência do escravo. Em essência, ele é um instrumento de conduta de vida; em outras palavras, é a posse de um ser vivo. Porém, o escravo não é um instrumento de produção, e sim de ação, i.e., não está a serviço de produzir um artigo em particular, mas para ajudar na administração da vida. O que está em questão, portanto, é antes a escravidão doméstica e não a agrícola ou industrial.
Cabe agora perguntarmos se existe alguém que tende por natureza a cumprir tal papel. Como resposta, Aristóteles nos diz que a antítese superior-inferior é encontrada em todos os lugares na natureza, como entre a alma e o corpo, o intelecto e o apetite, entre o homem e o animal, o homem e a mulher, e se tal diferença existe, é para vantagem de ambos que um deve mandar no outro. A natureza tende a produzir tal distinção entre os homens, fazendo de uns fortes para o trabalho e de outros aptos para a vida política. Logo, alguns homens são livres por natureza e outros, escravos.
Devemos acrescentar que, na época de Aristóteles, muitos escravos assim o eram por serem vencidos na guerra, e tal tipo de escravidão não deveria ser aprovada. Aqueles que sustentam que um tipo de justiça se encontra nos costumes e que, portanto, a escravidão de acordo com o costume de guerra é justificado, esses devem hesitar na justificativa para se escravizar pessoas bem nascidas, mas que foram vencidas na guerra. Isso porque, aqueles que defendem escravos de guerra, ao mesmo tempo, justificam a escravidão na inferioridade da natureza. Se há inferioridade, então a escravidão é de interesse de ambos senhor e escravo.
Claro que é lamentável, mas não surpreendente que Aristóteles tenha defendido a opinião de que a escravidão pertence à natureza das coisas, pois fazia parte da estrutura familiar grega ter escravos. Notemos, pois, que a escravidão na Grécia está distante dos abusos que sofreram os escravos de Roma; sofrimento por escravidão que, inclusive, ainda em nossos dias encontramos.
Algumas condições para se aceitar a escravidão devem ser cumpridas segundo o filósofo: (i) não é fácil distinguir o homem livre por natureza e o escravo por natureza, nem mesmo uma criança que tenha uma natureza escrava terá sempre tal natureza (Política, 1254b32-35, 1255b1-4). (ii) A escravidão por mero direito de conquista em guerra não deve ser aprovada. O poder bélico superior não significa sempre uma excelência superior. E, em nenhum caso, os gregos deveriam escravizar os próprios gregos. Por tais opiniões ou restrições, melhor dizendo, Aristóteles foi considerado revolucionário para época, por mais que nos pareça reacionário. (iii) Os interesses do senhor e do escravo são os mesmos. O senhor, portanto, não deve abusar de sua autoridade. Ele deve ser amigo do escravo. Ele não deve apenas comandar, mas raciocinar junto com o escravo, ou melhor, fazer com que o escravo acompanhe o seu raciocínio. (iv) A todos os escravos deve ser dada a esperança de emancipação (Política, 1330a32).
O que não podemos considerar um ganho na visão política de Aristóteles é o corte que ele faz em dois níveis de raça humana, estabelecendo uma gradação de superioridade à inferioridade com relação à moral e às qualidades intelectuais. A partir dessa visão, seríamos conduzidos a um sistema político-social de subordinação. De qualquer modo, para o filósofo, o escravo não deve ser tratado como um instrumento vivo. O escravo não é apenas um corpo, mas um ser com raciocínio. E, por ter sua razão subordinada ao senhor é capaz não meramente de obedecer, mas de acompanhar um argumento. Também diz o estagirista, que o escravo, enquanto escravo, não pode ser amigo do senhor, mas enquanto homem sim.
BIBLIOGRAFIA
Matheus Venâncio, 2009 – UNIFRAN – Universidade de Franca
2.Semestre Graduação Filosofia
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